sábado, março 31, 2007

Ema Bovary

Mariana estava ficando maluca.
Precisava de um analista, um terapeuta... Algo assim.
Ligou para todos da cidade, escolheu o que se dizia "o melhor da região" e resolveu marcar uma consulta...
-Olá Mariana, sou o doutor Roberto. Pode deitar ali para ficar mais à vontade.
-Prazer seu doutor. O negócio vai ser rápido! E obrigada. Vou ficar à vontade sim.
-Diga-me Mariana, o que te atormenta?
-Ah doutor... Relacionamentos sabe?
-Ah, sim. Sei! 90% das pessoas que me procuram, tratam disso.
-Tá bem doutor. E sabe, tenho muita dificuldade pra desabafar. O senhor me permite que eu vá ao banheiro?
-Claro Mariana!
Mariana volta do banheiro aos prantos.
-Agora eu posso falar doutor. Sabe, eu já namoro tem um tempo. E o começo foi lindo doutor! Nossa. Chuva de elogios, presentes, gentilezas, carinhos, desejos, amassos, beijos ardentes. Ah doutor, o senhor bem sabe como é no começo. Aí tudo bem... Passa aquele tempo gostoso da vida. E vem uma rotina chata... ô trem ruim! Aí começam as briguinhas, aí depois delas, parece que tudo volta pra uma normalidade até legal... Mas de boa, normal. Mas sabe doutor? O ruim é quando você se sente traída. Quando você se sente parte da rotina que aprisiona o ser que você ama. Começa a se achar inferior, pára de receber elogios, pára de transar, pára de tudo! Poxa doutor, é tão ruim! Parece que o seu companheiro não te deseja mais como mulher.
E aí você até que comprova o que a sua intuição pressentia:
O sujeito estava mesmo te traindo! Ah nossa.... E a auto-estima doutor? Pra que buraco que vai? [perdoa o palavrão doutor] mas eu acho que vai pra puta que pariu. Porra doutor... Se quer trair, não diz que ama oras! Precisa nem terminar, basta não dizer que ama. Ah, mas depois do "Eu te amo", ah doutor, arque com as conseqüências. Ah doutor, o "eu te amo" pede tudo! Pede o sexo, pede a dor compartilhada. Pede tudo! E a rotina, vem por consequência, mas se tem amor... O que é uma rotina?
Queria ser eu uma amante. Ah mas quem me dera por um dia ser uma amante. Nossa! Eu seria momentaneamente feliz e me sentiria realizada.
Ah, mas eu ganharia perfumes dos mais caros! [Não, aqueles baratos que namoradas ganham]. Ah, mas eu seria terreno pra selvagerias fugazes e loucas. [Não seria respeitada como namorada não!] Ah seria pois uma puta mesmo!
Ah doutor... Onde uma pessoa normal deseja o prazer efêmero pelo respeito eterno? Ah doutor... Me dê gotas do prazer efêmero e me faça repudiar o amor eterno.
Eu não quero ficar em casa não! Quero sair, ir à bailes, ser reconhecida... Ter muitos homens aos pés. Que eles me elogiem e que eu os pise sem o menor pudor. E que na hora de me deitar, que possa ser com alguém que realmente me valorize. Que não me respeite no sentido casto em si, mas que me valorize e que me veja como a mulher que eu sou. Ah doutor... Que quando ao me deitar eu possa ser vista como uma santa. Mas uma santa a qual deseja desmistificar! E que após a desmistificação, que ela fique tão pura quanto o seu começo virgem e inocente.

Ah se como puta-esposa eu seria feliz doutor. Quero ser anjo, quero ser fera! Quero respeito, mas quero fogo! Ah doutor... Quero tudo, quero todos. Conhecer as orgias humanas como saciedade dos meus desejos profanos. Ah doutor, quero ser casta como vim ao mundo. Ah doutor... Quero!
Me senti como Ema Bovary, tava cansada de tanto formalismo e gentileza. Queria apanhar na cara mesmo! Mas queria também, abraço terno quando eu me sentisse fraca ou vazia. Ah doutor... Eu me acho demais pra ele. Eu sou realmente foda doutor!

Obrigada por me ajudar a descobrir isso!
-Nossa Mariana, tem mais algo a acrescentar?
-Não doutor! Tome aqui o seu dinheiro! Não precisarei de terapia nunca mais!

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