quarta-feira, novembro 17, 2010

Eulália literária

Vivia citando Lispector, era mais detalhista que José de Alencar, mais nacionalista do que Policarpo Quaresma e tão confusa quanto Luísa de Basílio. Eulália tanto lia que confundia noções do mundo real e aplicava suas teorias sobre tudo e nada baseadas no que leu e no pouco tinha vivido.

"Não mate a barata." - Disse ela após um surto G.H. gritando com ele quando ele pegou o chinelo para matar o bicho asqueroso. "Inglês não" - surtou Eulália depois que ele soltou algumas palavrinhas no idioma britânico - depois de pensar sobre Policarpo Quaresma.

Seu triste fim foi perceber que seu único namorado, que cansado de tanta literatura, decidiu fechar a página e viver uma vida diferente. Longe dos livros, das bibliotecas (e das baratas). Logo Eulália decidiu se recolher em clausura para ler mais, afinal ela só tinha perdido uma terceira perna.


"Perdi alguma coisa que me era essencial, e que já não me é mais. Não me é necessária, assim como se eu tivesse perdido uma terceira perna que até então me impossibilitava de andar, mas que fazia de mim um tripé estável. Essa terceira perna eu perdi. E voltei a ser uma pessoa que nunca fui. Voltei a ter o que nunca tive: apenas as duas pernas. Sei que somente com duas pernas é que posso caminhar. Mas a ausência inútil da terceira me faz falta e me assusta, era ela que fazia de mim uma coisa encontrável por mim mesma, e sem sequer precisar me procurar."


Clarice Lispector em Paixão Segundo GH

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